DISSEÇÃO DA AORTA
A dissecção
aguda da aorta é definida por PRIETO & ANTUNES (2005, p.584) como um
acontecimento súbito, em que se produz a separação brusca, longitudinal e
circunferencial da parede média da aorta, tendo como consequência a saída do
sangue do lúmen verdadeiro da aorta, para um falso lúmen através dum ponto de
rotura da íntima, geralmente discreto.
Ainda
de acordo com PRIETO & ANTUNES (2005, p.584) se a dissecção progride
retrogradamente poderá atingir as estruturas da raiz aórtica, afectando o mecanismo
de suspensão valvular, permitindo que a válvula se inverta e se torne
incompetente. Por vezes, a dissecção pode produzir compressão ou oclusão dos
vasos coronários, associando-se uma clínica similar à síndrome coronária aguda.
Distalmente, nas aortas descendente e abdominal, o envolvimento dos ramos parietais
ou viscerais pode originar isquémia de órgãos ou sistemas vitais.
Figura 1 – Após incisão da aorta
ascendente, visualiza-se o falso lúmen. A dissecção estende-se até aos seios de
Valsalva, resultando em perda de suspensão da válvula aórtica que assim se
torna incompetente.
Fonte: PRIETO, D. &
ANTUNES, M (2005). Dissecção aguda da aorta. Rev Port Cardiol. 24(4) :583-604. p. 584.
Para as causas
da dissecção, PRIETO & ANTUNES (2005, p.586) referem que a necrose quística
da média é o substrato histopatológico mais comum e responde a diferentes
processos etiopatológicos, que Anagnostopoulos diferencia em sete entidades
etiológicas diferente:
- Anomalias congénitas (anomalias do tecido conjuntivo, síndrome da válvula bicúspide e coartação aórtica, entre outros);
- Gravidez (maior incidência no terceiro trimestre, relacionado com alterações de tecido conjuntivo de provável origem hormonal);
- Aterosclerose (embora neste caso seja a íntima a mais afectada, produzindo indirectamente alterações da nutrição da média que resultam em fenómenos de necrose laminar desta);
- Hipertensão arterial (por aumento da sobrecarga mecânica e metabólica na parede aórtica);
- Degenerescência idiopática da media aórtica;
- Doenças inflamatórias (sífilis);
- Desordens neuroendócrinas ou auto-imunes (lupus eritematoso, espondilite anquilosante, feocromocitoma).
Finalmente, há
que referir a dissecção de origem traumática, quer acidental quer cirúrgica
(secundária à clampagem aórtica, canulação, ou cirurgia de substituição
valvular aórtica e à utilização do balão intra-aórtico).
As
consequências fisiopatológicas da dissecção da aorta são de acordo com PRIETO
& ANTUNES (2005, p.586-587), a perfusão deficiente dos ramos afectados e a
possibilidade de rotura do falso lúmen. Daí que a clínica e evolução dependam da
localização da rotura da íntima, da extensão da dissecção e da evolução do
falso lúmen. É nestes elementos que se fundamenta a classificação da dissecção
aórtica (Fig. 2). A classificação mais utilizada actualmente é a da
Universidade de Stanford que agrupa as dissecções segundo o envolvimento da
aorta ascendente; assim, o tipo A envolve a aorta ascendente, com ou sem
extensão à crossa e aorta descendente, e o tipo B implica o envolvimento exclusivo
da aorta descendente. Pelo contrário, a classificação clássica de DeBakey,
ainda utilizada por alguns cirurgiões, por vezes em associação com a de
Stanford, baseia-se no local de rotura da íntima e na extensão da dissecção:
-
Tipo I, há rotura na aorta ascendente e a dissecção ultrapassa a crossa;
-
Tipo II, rotura e dissecção exclusivos da aorta ascendente;
-
Tipo III, rotura na aorta descendente e dissecção até o diafragma (III-A) até
ao abdómen e artérias ilíacas (III-B).
Figura
2 - Classificação da dissecção da aorta; Stanford (A e B) e DeBakey (I, II e
III).
Fonte: PRIETO, D. &
ANTUNES, M (2005). Dissecção aguda da aorta. Rev Port Cardiol. 24(4) :583-604. p. 587.
Os
elementos clínicos mais frequentemente associados à dissecção aguda da aorta para
PRIETO & ANTUNES (2005, p.588, )são a história prévia de hipertensão
arterial e a dor. A dor aparece em mais de 90 % dos doentes, é retroesternal ou
interescapular, caracteristicamente de início súbito, severo, de carácter
lancinante, pulsátil e migratória (segundo o sentido da dissecção) e com
irradiação anterior ou posterior (segundo a sua localização). É fácil de
confundir com a dor anginosa, mas não é controlada com nitratos nem com
antiálgicos não opiáceos.
A
dissecção do tipo A é frequentemente acompanhada de vários tipos de
complicações associando, na maioria das vezes, o choque com tensões arteriais
conservadas ou altas. Em 20 % dos casos pode aparecer acompanhada de hipotensão
e choque, indicando a possibilidade de tamponamento, rotura de aorta,
insuficiência cardíaca secundária a regurgitação valvular aórtica severa ou
compromisso das artérias coronárias (por oclusão ou dissecção). No entanto, o
primeiro sintoma pode ser a síncope, presente em 10 % dos doentes com dissecção
aguda da aorta, sobretudo quando há envolvimento dos grandes vasos do pescoço
ou rotura intrapericárdica (geralmente contida) com tamponamento cardíaco,
representando uma situação de franca emergência. A esta clínica podem associar-se
sinais de envolvimento do sistema nervoso central, perda de pulsos periféricos,
sintomas gastrointestinais ou nefrológicos, consoante o envolvimento dos vasos
eferentes da aorta. O aparecimento destes sinais e sintomas facilita o
diagnóstico e tem impacto determinante no prognóstico. A dissecção de tipo B
aparece em idades mais avançadas – idade média 63 anos – e com uma elevada
incidência de hipertensão arterial.
A
dor torácica ocorre em 90 % dos casos, confundindo- se com a dor anginosa ou do
tromboembolismo pulmonar. Apresenta, por vezes, sintomatologia correlacionada
com a oclusão de ramos da aorta. Assim, com frequência, o diagnóstico acontece
pela perda de pulsos distais, preferencialmente à esquerda, confundindo-se muitas
vezes com fenómenos embólicos (frequentemente os doentes chegam à cirurgia
cardíaca só depois de uma exploração das artérias ilíacas por pressuposto
embolismo periférico).
Outras vezes, manifestam-se
insuficiência renal, por oclusão das artérias enais; dor abdominal, por isquémia
mesentérica; ou paraplegia, por oclusão das artérias intercostais.
Bibliografia:
PRIETO, D. & ANTUNES, M (2005). Dissecção aguda da aorta.
Rev Port Cardiol. 24(4) :583-604.