quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013


DISSEÇÃO DA AORTA

A dissecção aguda da aorta é definida por PRIETO & ANTUNES (2005, p.584) como um acontecimento súbito, em que se produz a separação brusca, longitudinal e circunferencial da parede média da aorta, tendo como consequência a saída do sangue do lúmen verdadeiro da aorta, para um falso lúmen através dum ponto de rotura da íntima, geralmente discreto.

Ainda de acordo com PRIETO & ANTUNES (2005, p.584) se a dissecção progride retrogradamente poderá atingir as estruturas da raiz aórtica, afectando o mecanismo de suspensão valvular, permitindo que a válvula se inverta e se torne incompetente. Por vezes, a dissecção pode produzir compressão ou oclusão dos vasos coronários, associando-se uma clínica similar à síndrome coronária aguda. Distalmente, nas aortas descendente e abdominal, o envolvimento dos ramos parietais ou viscerais pode originar isquémia de órgãos ou sistemas vitais.




Figura 1 – Após incisão da aorta ascendente, visualiza-se o falso lúmen. A dissecção estende-se até aos seios de Valsalva, resultando em perda de suspensão da válvula aórtica que assim se torna incompetente.
Fonte: PRIETO, D. & ANTUNES, M (2005). Dissecção aguda da aorta. Rev Port Cardiol. 24(4) :583-604. p. 584.

Para as causas da dissecção, PRIETO & ANTUNES (2005, p.586) referem que a necrose quística da média é o substrato histopatológico mais comum e responde a diferentes processos etiopatológicos, que Anagnostopoulos diferencia em sete entidades etiológicas diferente:
  • Anomalias congénitas (anomalias do tecido conjuntivo, síndrome da válvula bicúspide e coartação aórtica, entre outros);
  • Gravidez (maior incidência no terceiro trimestre, relacionado com alterações de tecido conjuntivo de provável origem hormonal);
  • Aterosclerose (embora neste caso seja a íntima a mais afectada, produzindo indirectamente alterações da nutrição da média que resultam em fenómenos de necrose laminar desta);
  • Hipertensão arterial (por aumento da sobrecarga mecânica e metabólica na parede aórtica);
  • Degenerescência idiopática da media aórtica;
  • Doenças inflamatórias (sífilis);
  • Desordens neuroendócrinas ou auto-imunes (lupus eritematoso, espondilite anquilosante, feocromocitoma).

Finalmente, há que referir a dissecção de origem traumática, quer acidental quer cirúrgica (secundária à clampagem aórtica, canulação, ou cirurgia de substituição valvular aórtica e à utilização do balão intra-aórtico).
As consequências fisiopatológicas da dissecção da aorta são de acordo com PRIETO & ANTUNES (2005, p.586-587), a perfusão deficiente dos ramos afectados e a possibilidade de rotura do falso lúmen. Daí que a clínica e evolução dependam da localização da rotura da íntima, da extensão da dissecção e da evolução do falso lúmen. É nestes elementos que se fundamenta a classificação da dissecção aórtica (Fig. 2). A classificação mais utilizada actualmente é a da Universidade de Stanford que agrupa as dissecções segundo o envolvimento da aorta ascendente; assim, o tipo A envolve a aorta ascendente, com ou sem extensão à crossa e aorta descendente, e o tipo B implica o envolvimento exclusivo da aorta descendente. Pelo contrário, a classificação clássica de DeBakey, ainda utilizada por alguns cirurgiões, por vezes em associação com a de Stanford, baseia-se no local de rotura da íntima e na extensão da dissecção:

- Tipo I, há rotura na aorta ascendente e a dissecção ultrapassa a crossa;
- Tipo II, rotura e dissecção exclusivos da aorta ascendente;
- Tipo III, rotura na aorta descendente e dissecção até o diafragma (III-A) até ao abdómen e artérias ilíacas (III-B).

 
Figura 2 - Classificação da dissecção da aorta; Stanford (A e B) e DeBakey (I, II e III).
Fonte: PRIETO, D. & ANTUNES, M (2005). Dissecção aguda da aorta. Rev Port Cardiol. 24(4) :583-604. p. 587.

Os elementos clínicos mais frequentemente associados à dissecção aguda da aorta para PRIETO & ANTUNES (2005, p.588, )são a história prévia de hipertensão arterial e a dor. A dor aparece em mais de 90 % dos doentes, é retroesternal ou interescapular, caracteristicamente de início súbito, severo, de carácter lancinante, pulsátil e migratória (segundo o sentido da dissecção) e com irradiação anterior ou posterior (segundo a sua localização). É fácil de confundir com a dor anginosa, mas não é controlada com nitratos nem com antiálgicos não opiáceos.
A dissecção do tipo A é frequentemente acompanhada de vários tipos de complicações associando, na maioria das vezes, o choque com tensões arteriais conservadas ou altas. Em 20 % dos casos pode aparecer acompanhada de hipotensão e choque, indicando a possibilidade de tamponamento, rotura de aorta, insuficiência cardíaca secundária a regurgitação valvular aórtica severa ou compromisso das artérias coronárias (por oclusão ou dissecção). No entanto, o primeiro sintoma pode ser a síncope, presente em 10 % dos doentes com dissecção aguda da aorta, sobretudo quando há envolvimento dos grandes vasos do pescoço ou rotura intrapericárdica (geralmente contida) com tamponamento cardíaco, representando uma situação de franca emergência. A esta clínica podem associar-se sinais de envolvimento do sistema nervoso central, perda de pulsos periféricos, sintomas gastrointestinais ou nefrológicos, consoante o envolvimento dos vasos eferentes da aorta. O aparecimento destes sinais e sintomas facilita o diagnóstico e tem impacto determinante no prognóstico. A dissecção de tipo B aparece em idades mais avançadas – idade média 63 anos – e com uma elevada incidência de hipertensão arterial.
A dor torácica ocorre em 90 % dos casos, confundindo- se com a dor anginosa ou do tromboembolismo pulmonar. Apresenta, por vezes, sintomatologia correlacionada com a oclusão de ramos da aorta. Assim, com frequência, o diagnóstico acontece pela perda de pulsos distais, preferencialmente à esquerda, confundindo-se muitas vezes com fenómenos embólicos (frequentemente os doentes chegam à cirurgia cardíaca só depois de uma exploração das artérias ilíacas por pressuposto embolismo periférico).
Outras vezes, manifestam-se insuficiência renal, por oclusão das artérias  enais; dor abdominal, por isquémia mesentérica; ou paraplegia, por oclusão das artérias intercostais.

Bibliografia:
PRIETO, D. & ANTUNES, M (2005). Dissecção aguda da aorta. Rev Port Cardiol. 24(4) :583-604.

Sem comentários:

Enviar um comentário